Bebês Reborn, Reality Shows e Militâncias de Silicone: os afetos embalados no mundo líquido

Por Fredi Jon

Vivemos tempos em que o amor virou simulacro, a luta virou story, e a verdade… virou algoritmo. E nesse teatro de aflições performáticas, o bebê reborn surge como o símbolo supremo do nosso desespero afetivo. Um bebê que não chora, não cresce, não exige. Apenas representa. Uma maternidade cenográfica para um mundo onde tudo é encenação.

Mas não se iluda: essas mesmas mãos que ninam bonecos de vinil com amor verdadeiro são também aquelas que cancelam estranhos com ódio legítimo. No café da manhã, uma mamadeira para o reborn; no almoço, uma thread indignada contra o sistema. Porque amar um boneco é mais fácil do que perdoar um humano.

Estamos cercados por pessoas que choram por um boneco e aplaudem a eliminação de alguém em reality show como se fosse um ato revolucionário. Gritam por justiça com a mesma veemência com que defendem seu participante favorito do Big Brother. Acham que têm empatia, mas o que têm é entretenimento emocional. A dor do outro é apenas combustível para o feed.

E no meio disso tudo, as certezas. Ah, as certezas. Tão firmes, tão absolutas, tão frágeis quanto a cabeça de um reborn. Pessoas que vivem num mundo líquido, mas falam como se estivessem escrevendo os Dez Mandamentos nas tábuas da razão. A cada semana, um novo veredito moral. A cada post, um novo dogma. Elas sabem de tudo — menos olhar nos olhos de alguém de verdade.

Enquanto isso, a militância virou figurino. Luta-se pela causa do dia, entre uma selfie com o reborn e uma dancinha de protesto. Estamos todos tão ocupados em parecer conscientes que esquecemos como é ser consciente de verdade. A dor real incomoda, mas a dor simbólica rende like.

E o bebê reborn? Silencioso, eterno, plástico. A metáfora perfeita. Um filho que nunca vai discordar de você, nunca vai amar alguém que você não aprova, nunca vai frustrar suas projeções. Um mundo onde até o afeto precisa ser previsível, domesticado, plastificado.

No fundo, o bebê reborn não é apenas um brinquedo de adulto carente. Ele é um espelho. Ele nos mostra exatamente quem somos: uma sociedade que terceirizou o amor, espetacularizou a dor, e se refugiou em certezas para não encarar sua própria confusão. Trocamos vínculos por bonecos e ideais por hashtags. Trocamos o humano pelo hiper-real.

E seguimos, embalando nossos vazios com laços cor-de-rosa, enquanto o mundo desmorona em HD.

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