Por Helena Dutra Lutgens*
A agricultura paulista, pilar fundamental da economia do Estado e referência mundial em produção de alimentos, encontra-se em um momento crítico. A desvalorização da pesquisa científica, a precarização dos institutos públicos e a falta de investimentos por parte do Governo ameaçam o futuro desse setor crucial para o desenvolvimento social e econômico de São Paulo.
A história nos ensina que o investimento em pesquisa é fundamental para o progresso. O ciclo do café, que impulsionou o desenvolvimento de São Paulo, e do Brasil, no século XIX, foi estimulado por inovações agrícolas e tecnológicas, que só se tornaram realidade com o trabalho de cientistas. Da mesma forma, o futuro do estado depende da capacidade de desenvolver novas soluções para os desafios impostos pelo século XXI, como a demanda crescente por alimentos ou as mudanças climáticas, escassez de recursos hídricos, pragas e doenças – como o greening que tem devastado os laranjais, levando muitos produtores para outros estados, com impactos diretos na economia paulista.
Para dimensionar a grandeza da agropecuária, em São Paulo o agronegócio é responsável por 40% da balança comercial. O setor registrou superávit de US$ 23,34 bilhões em 2023, valor recorde da série histórica. Número que representa um salto de 11,8%, na comparação com 2022, de acordo com os dados consolidados pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). Quem sustenta essa pujança é o conhecimento científico tecnológico produzido nos nossos institutos, que são, em sua maioria, centenários.
Apesar da robustez representativa de todos esses números, o orçamento destinado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) em 2024 representa apenas 0,34% do orçamento total do Estado, valor ínfimo para um setor tão relevante. Além disso, 24,3% desse orçamento já foram contingenciados neste ano, isso tudo em um governo que se diz ‘amigo do agro’.
Em contraste, grandes potências econômicas como Estados Unidos, China e Japão investem pesadamente em pesquisa e tecnologia agrícola, reconhecendo sua importância para a competitividade e o desenvolvimento sustentável.
Há um apagão na pesquisa científica de todo o Estado de São Paulo, incluindo as áreas de meio ambiente e saúde, que precisa ser tratado, mas na área de agricultura a situação é ainda mais obscura. Um levantamento realizado no ano passado pela Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), com dados extraídos do Diário Oficial, mostrou que a SAA é a secretaria que enfrenta a maior escassez de pesquisadores e profissionais de carreira de apoio. Dos 5.610 cargos, apenas 1.117 estão preenchidos, o que representa menos de 20% do quadro. E o último concurso público que contratou novos servidores foi há mais de 20 anos, em 2003.
Em um episódio mais recente, que escancara o descaso vivido por profissionais da área científica e pela população paulista, que sofre com os impactos, o Governo lançou um portal de venda de imóveis públicos, que depois tirou do ar e alegou “erro técnico”.
No site, havia imóveis simbólicos para o desenvolvimento e a competividade do Estado, como o do CATI de Campinas, que coordena Casas da Agricultura e é uma referência no atendimento de pequenas propriedades, em especial à agricultura familiar, e do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), que foi fundado em 1887 e é tombado pelo patrimônio municipal, além de ser um polo de desenvolvimento de tecnologia para o campo.
O futuro da agricultura paulista depende da valorização da pesquisa científica, e isso inclui melhores salários para os pesquisadores, que acumulam mais de 50% em perdas no poder de compra, entre 2013 e 2023, segundo o Dieese. Investir em pesquisa é investir na competitividade do setor, na geração de emprego e distribuição de renda, na preservação do meio ambiente e dos recursos naturais, na segurança alimentar e no desenvolvimento social e econômico do Estado. É preciso unir esforços para reverter o quadro atual e garantir que a pesquisa científica continue a ser um pilar fundamental para o progresso de São Paulo.
*Helena Dutra Lutgens é formada em Ecologia (Unesp), Mestre em Conservação e Manejo de Recursos (Unesp) e Doutora em Ecologia e Recursos Naturais (UFSCAR), Pesquisadora Científica do Instituto Florestal e preside a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC).